O retorno ao trabalho presencial tem motivado uma onda de demissões voluntárias no Brasil. Segundo dados do Ministério do Trabalho, entre os 8,5 milhões de trabalhadores que deixaram seus empregos por vontade própria em 2024, uma parte significativa alegou que o fim do home office pesou na decisão. Dificuldades de deslocamento, medo da violência e a busca por melhor qualidade de vida estão entre os principais motivos apontados.

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É o caso de Rael Souza, de Santo André (SP), que deixou um emprego na área de tecnologia após sua empresa ser adquirida e exigir o retorno ao escritório. A rotina de quase cinco horas diárias no transporte público, dividida entre ônibus, trens, metrôs e caminhadas, o levou a optar por atuar como motorista de aplicativo. “Chegava cansado, não conseguia cuidar de mim, e isso afetava minha produtividade. Repensei minha carreira”, relata.
De acordo com pesquisa do Ministério do Trabalho com mais de 53 mil profissionais, 21,7% mencionaram problemas de mobilidade como razão para pedir demissão. Outros 15,7% citaram a falta de flexibilidade de jornada e 9,1% alegaram responsabilidades familiares. Os dados reforçam um fenômeno global: um estudo da consultoria Gartner mostrou que 33% dos executivos no mundo consideram deixar seus cargos caso sejam obrigados a retornar ao modelo presencial.
Do cansaço à insegurança
Mais do que o tempo no trânsito, o medo de assaltos, o assédio nos transportes públicos e a sensação de insegurança nas ruas têm feito muitos trabalhadores repensarem o valor de um emprego presencial. Uma pesquisa do Datafolha mostra que 86% da população se sente insegura nas cidades. Já um levantamento do Ipec revelou que três em cada quatro mulheres já sofreram assédio, sendo a maioria dos casos em transportes públicos.
Michelle Barbosa, recrutadora na área de tecnologia, não abre mão do trabalho remoto. Ela destaca que, após anos enfrentando longos deslocamentos e episódios de violência, o home office se tornou sinônimo de segurança e qualidade de vida. “Conheci o céu. Agora tenho tempo para mim, me alimento melhor, perdi peso, me especializei e vejo meu neto crescer”, conta.
A mudança de rotina também impactou Luciano Freitas, que pediu demissão de uma startup após enfrentar quase três horas para voltar para casa em um dia de chuva. Hoje, como diretor de marketing em regime remoto, defende a autonomia e a entrega como critério principal. “No presencial, há burocracia até para ir ao médico. O que importa é o resultado.”
Salário emocional e mudança de prioridades
A especialista em trabalho e educação Taís Targa explica que a pandemia provocou uma reavaliação de prioridades entre os trabalhadores. Muitos passaram a valorizar o chamado “salário emocional” — benefícios intangíveis como estar mais presente na vida da família, ter flexibilidade e reduzir o estresse. “Alguns preferem abrir mão de altos salários para manter qualidade de vida”, observa.
Esse novo olhar sobre o trabalho tem incentivado empresas a manter o home office. A Atlantic Tax & Advisory, de Niterói (RJ), aderiu à semana de quatro dias e viu a produtividade aumentar. Já o QuintoAndar e a agência Dale apostaram na diversidade e na flexibilidade como formas de atrair talentos e expandir seus mercados.
Apesar das vantagens, trabalho remoto recua
Mesmo com relatos positivos, o home office tem perdido espaço. Empresas como Amazon e Dell têm restringido ou eliminado o modelo remoto. Segundo a consultoria JLL, a taxa de vacância de imóveis comerciais em São Paulo tem caído, sinalizando o retorno gradual aos escritórios.
Nas plataformas de emprego, as vagas presenciais e híbridas também estão em alta. Um levantamento da Mercer Brasil revelou que 76% dos gestores ainda têm receio quanto à produtividade no home office. Dificuldade de acompanhar iniciantes, excesso de reuniões e desafios de liderança também foram apontados como entraves.
Eliane Ramos, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), ressalta que muitos desses problemas derivam de falhas organizacionais, como planejamento inadequado e baixa maturidade dos profissionais. “Empresas com forte necessidade de integração entre equipes realmente enfrentam barreiras. Mas isso não deve invalidar o modelo remoto onde ele é viável.”
Caminho possível: escuta e equilíbrio
A busca por um consenso ainda parece distante. A divergência entre gerações e estilos de liderança dificulta o diálogo, afirma Luciano Freitas. “Chefes autoritários não aceitam ser questionados por profissionais mais jovens. Falta abertura para ouvir”, critica.
Para Taís Targa, a chave está em compreender os motivos que levam um modelo a fracassar em determinadas empresas. “Rotular a resistência ao presencial como frescura é um erro. Um modelo híbrido bem estruturado pode ser o meio-termo ideal — trazendo ganhos tanto para o negócio quanto para o bem-estar dos profissionais.”
Com informações do G1.